Três anos depois de fugires do mundo ainda te sinto com tanta intensidade e frequência como antes e pergunto-me se isso será normal. A maioria das pessoas diria (ou dirá) que é o mais que posso dizer, fica sempre bem. Mas a verdade, a verdade verdadinha, é que ainda te sinto, ainda penso diariamente em ti, ainda guardo na minha memória o tom da tua voz e a estrondosa presença da tua figura, as roupas que usavas, a forma como reproduzias as palavras, a forma como falavas com a tua mãe, a forma como gritavas com o teu irmão, a forma como te emocionavas ao falar do nosso clube, até a forma como comias o salame da padaria em frente à escola e dizias: “Queres?”. Enfim… uma infinidade de coisas. Lembro-me de cada pormenor, por mais estranho que seja.
As pessoas aparecem e fogem da nossa vida a uma velocidade louca, tirando algumas. O mais “normal” seria ter-te “quase-apagado” da minha memória, teres ficado adormecida no meio das recordações. Éramos tão novas (e pensar que tu ainda podias ser nova ao meu lado…) que o mais normal seria ter-te “quase-esquecido”. Quando temos aquela (e esta) idade os amigos passam rapidamente a desconhecidos ou mesmo a estranhos, ou a eternos.
O mais natural seria ter-te esquecido, mas não. Não sei porque ainda te recordo dia após dia, será a possibilidade apagada de termos ainda tantas coisas para vivermos juntas?
Esse passado tão recente parece agora longínquo na memória, aconteceram tantas coisas desde então. Mas tu permaneces não como uma memória de alguém que acabou mas um dia-a-dia. No meu mais profundo ser apenas estabilizaste o teu crescimento e aprendizagem e vives agora mais vigorosa que nunca… mas há uma diferença. Eu cresci! Sou agora já uma quase-mulher, cada vez mais completa e perspicaz, a cada dia que vivo quero viver mais e mais e penso o que saberei eu nesta altura? Sou tão nova e tenho tanto que viver, quero chupar o sumo desta vida até não a conseguir agarrar… ainda falta tanto tempo!
Perante a minha vontade de viver questiono-me o que poderá levar uma criança de 12 anos a decidir acabar com a sua vida? A conclusão é sempre a mesma:
NADA! Quantas vezes não queremos nós desaparecer, acabar logo de vez com os nossos problemas? São tantas as vezes que temos vontade de morrer. Mas
decidir morrer? Como? A vida é tão longa, como podemos nós acabar com ela por um simples (e a maior parte das vezes tão fácil de resolver) problema? Como é que uma criança de 12 anos pode querer não viver mais? Conhecendo-te, só tenho uma resposta: tu não querias morrer e acredito que te arrependerias, se pudesses. E isso faz com que a aceitação da tua ausência custe muito mais! Porquê Sara?
Quando dou um passo importante na minha ainda tão curta vida penso na tua imagem e pergunto-me o que serias agora, com 15 anos (tão nova que serias ainda!), não consigo imaginar mas penso que talvez já nem nos víssemos. Mas não importa, aí tu estarias viva com muitos anos pela frente.
O que está feito não tem remédio, a minha vida contínua e tu continuas comigo, dentro de mim. As lágrimas já raramente se sobressaltam quando aquele fatídico dia me vem à memória e a maioria das pessoas censurar-me-ia por falar disso tão “descontraidamente” mas a verdade é que a dor já passou quase toda, dela restou a imensa saudade e o eterno inconformismo.
Agora sei que estarás sempre comigo nem que seja na forma que tomas agora: uma parte da minha pessoa.
Até sempre Sara!